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393.
PRATOS (DOIS)
PORCELANA BRANCA COM DECORAÇÃO INCISA E
PINTADA A AZUL SOB O VIDRADO, REDECORADA COM
ESMALTES POLICROMOS E OURO SOBRE O VIDRADO,
APLICADOS NA HOLANDA
DINASTIA QING (1644-1911), C. 1720-1725,
REDECORAÇÃO C. 1720-1730
ALT. 3,4 CM; DIÂM. BORDO 20,3 CM
ALT. 3,9 CM; DIÂM. BORDO 21,4 CM
INV. N.º 672
Dois pratos fundos, circulares, em forma de
pires com bordo muito evertido formando
lábio, sobre pequeno pé muito recuado.
Foram executados em Jingdezhen numa
pasta muito fina e translúcida, com
decoração floral incisa, preenchendo toda a
superfície interior e quatro ramos soltos, no
exterior, e uma cercadura de motivos
geométricos pintados a azul-cobalto sob o
vidrado, tudo sob um vidrado azulado.
Na Holanda, foram pintados no estilo
kakiemon,
com dois grandes papagaios em
esmaltes azul, turquesa, vermelho e dourado,
com as penas cuidadosamente delineadas em
preto e vermelho, um poisado sobre uma
grande e velha roseira cheia de botões
florais, com a cabeça voltada para a esquerda,
olhando a outra ave poisada sobre a pata
direita num velho tronco partido, debicando
uma cereja, que segura com a pata esquerda,
enquanto outras duas estão dependuradas no
galho que quase toca um craveiro florido.
Duas borboletas multicolores sobrevoam as
aves. O bordo é realçado a vermelho-escuro.
A decoração policroma, aplicada na Holanda,
é inspirada numa gravura de 1580 da autoria
de Adriaen Collaert, um gravador de
Antuérpia, que desenhou e publicou uma
série de 16 gravuras de aves intitulada
Avium
Vivae Icones
. Uma gravura da série (também
publicada, na década de 1620, por Visscher),
com a legenda
Psitaci duplex genus
1 ,
representa os dois papagaios numa paisagem
do norte da Europa, ausente nestes pratos, a
que foram adicionadas uma roseira, flores e
borboletas (Fig. 73).
Os papagaios, como animais domésticos,
estavam na moda na Europa do século XVIII,
sendo um tema comum na porcelana chinesa
decorada na Europa e em Delft.
Apesar de se saber muito pouco sobre a
identidade dos artistas que actuavam na
Holanda, se eram todos holandeses ou se ali
trabalhavam sempre, pensava-se que o
desenho, idêntico ao que figura na base de
uma gaiola de ave manufacturada em Delft 2 ,
tenha sido executado na oficina de Gerrit
van de Kaade 3 . Para Helen Espir, não há
dúvidas de que este tema tenha sido pintado
em Delft, não só pela gaiola mencionada, mas
também pela escova pintada com esmaltes
de baixo fogo e domado, propriedade dos
Musées royaux d’Art et d’Histoire, Bruxelas 4 .
Também na azulejaria portuguesa
encontramos o mesmo papagaio, cujo
referente é a gravura de Adriaen Collaert,
mas pintado de forma mais livre, típico do
azulejo português, onde as gravuras que
servem de inspiração não são copiadas, mas
reinterpretadas (Fig. 72). A posição do
papagaio, com a cauda que toca o segundo
plano visto em perspectiva é, por isso, mais
verista do que a interpretação dos pratos
apresentando igualmente o ramo quebrado,
mas prolongado numa haste com cerejas
enquanto no prato, tal como na gravura,
surgem dois frutos nele dependurados. Tanto
no prato como no azulejo o papagaio
depenica uma cereja embora na porcelana
seja visível apenas o fruto e no azulejo um
galho que a ave segura com a pata esquerda.
Estamos, portanto, perante mais um exemplo
da circulação de gravuras que serviam muitas
vezes de protótipo quer no espaço europeu,
quer no asiático.
No Victoria and Albert Museum, Londres,
existe um prato com forma ligeiramente
diferente e sem a decoração incisa e
cinzelada, mas pintado com o mesmo
desenho, oferecido por Gulland, em 1907
(inv. 680-1907) 5 , e Helen Espir ilustra outro
prato 6 .
1 Espir, 2005, pp. 143-144, n.º 44.
2 Ayers, Impey e Malet, 1990, p. 242, n.º 265, citando
Havard, 1878, p. 153.
3 Idem, citando Winkworth, 1928, p. 302.
4 Espir,
ibidem
, p. 146, n.º 46.
5 Ayers, Impey e Malet, 1990, p. 242, n.º 265.
6 Espir,
ibidem
, pp. 144-145, n.º 45.
360 .
PORCELANA ORIENTAL PINTADA NA EUROPA
Fig. 73 Gravura de papagaios numa paisagem do norte da Europa por Adriaen Collaert, 1580.
Avium Vivae Icones
© British Library, Shelfmark 436 b.24 (1), Folio 10.
Fig. 72 Faiança com esmalte estanífero e pintura a azul-
-cobalto
Portugal, Lisboa, 1742